Silêncio. Era tudo o que ele podia ouvir de dentro do armário. Nenhum passo, nenhuma respiração. Nem o barulho da chuva lá fora. Seus olhos azuis tentavam se acostumar com a escuridão ao redor e lentamente iam conseguindo enxergar os contornos das suas próprias mãos trêmulas. Ele já havia conseguido controlar a respiração pesada e entrecortada de antes e agora também, tinha conseguido controlar as lágrimas de terror que saiam de seus olhos. Ele precisava ficar calmo, mas o silêncio não ajudava. Ficar em um armário escuro, sem saber o que estava acontecendo do lado de fora não ajudava também. Talvez tivesse sido uma péssima escolha, mas ele não tinha tido muito tempo para pensar. Um grito havia cortado a noite, aquele grito assustador que faz gelar a alma. No começo ele pensou que estivesse sonhando, que fosse mais um dos pesadelos que ele tinha todas as noites. Percebeu tarde demais, talvez, que o barulho não era de dentro da sua cabeça. O barulho dos passos pesados em frente a sua porta o fez abrir os olhos para a escuridão. Ele ouvia os passos e alguma coisa sendo arrastada. Ele pulou da cama o mais rápido que pode e correu na direção do armário. E agora ele estava ali, sem saber o que fazer. Ele havia escutado o barulho da porta abrindo, mas não sabia se as pessoas haviam entrado. Não havia mais grito, não havia mais barulho algum e o silêncio fez casa em seu coração. Ele estava em um daqueles armários todo fechado, que não entra nenhuma luz. Era até um armário espaçoso, cabiam roupas e brinquedos e todas as coisas que ele jogava ali dentro quando sua mãe o mandava arrumar o quarto. Era prático, mas não tinha sido uma boa ideia também, não agora que ele precisava ficar imóvel dentro desse armário. Seria arriscado demais abrir um pouco a porta para ver o que estava acontecendo, mas ele teria que fazer isso eventualmente. Era difícil respirar ali dentro. Ele só não sabia se isso era por causa do nervosismo ou se o lugar era fechado demais.
Um barulho abafado de carro cortou a noite
e o coração de Alan disparou no mesmo instante. Um gemido baixo saiu de seus
lábios e ele levou instantaneamente a mão à boca torcendo para que ninguém
tivesse escutado. Ele desconfiava até que a vizinhança inteira poderia escutar
as batidas incontroláveis do seu coração. O barulho do carro se foi e o
silêncio voltou ao seu estado normal. Alan até desejou por alguns momentos que
aquele barulho voltasse, mas nada aconteceu. O tempo passava devagar, como se
alguém estivesse brincando com ele. E talvez até estivessem, mas pensar isso
era assustador demais. O silêncio permaneceu na casa por tempo suficiente para
Alan achar que estava sozinho. Talvez todos tivessem ido embora e não tivessem
percebido que ele estava ali. Era nisso que ele queria acreditar, mas alguma
coisa dentro dele estava dizendo que acreditar nisso era muito perigoso. Quem
quer que estivesse fazendo todo esse silêncio, teria percebido que a sua cama
estava desarrumada. Mas ficar ali dentro, não parecia mais uma opção. Todas as
coisas dentro daquele armário pareciam ser ameaças, como se fossem capazes de
tirar a sua vida. Talvez ali dentro fosse mais perigoso do que o lado de fora.
Se ele ficasse mais algum tempo dentro daquele silêncio, no escuro e sozinho,
ele com certeza iria morrer.
Com todo o controle que uma criança de doze
anos poderia ter, Alan abriu lentamente a porta do armário. Todos os seus
músculos se contraíram e ele prendeu a respiração como se isso fosse fazer o
rangido da porta não ter acontecido. Era quase como se tudo estivesse contra
ele. A porta do armário nunca havia rangido antes, nem sequer um barulhinho e
agora, quando sua vida praticamente dependia dela, ela fazia aquele barulho
abafado, mas que parecia poder ser ouvido há quilômetros dali. Alan lutou
contra a vontade de fechar a porta novamente, de nada iria adiantar. Se não
sabiam que ele estava dentro do armário antes, provavelmente agora
descobririam. A porta do armário estava aberta, mas Alan não conseguia dar o
primeiro passo para fora dele. O quarto estava um pouco iluminado pela luz do
corredor. Eles haviam deixado a porta aberta. Essa era a única diferença. O
silêncio ainda estava em todos os lugares e seu coração parecia não querer
voltar ao normal. Alan respirou fundo e tomou coragem para sair dali. Todo o
seu corpo tentava não obedecê-lo, como se ele estivesse fazendo algo de muito
errado. Ele seguiu devagar até a cortina pesada que fechava a janela e abriu o
suficiente para ver a rua lá fora. Tudo parecia tranquilo e silencioso, apesar
da chuva que batia na janela. As luzes da rua estavam acesas e alguns carros
estavam estacionados nas calçadas. Uma noite comum, não fosse pelo grito que o
havia acordado. Naquele momento, como se a ideia tivesse aparecido pra ele
exatamente ali, um desespero entrou em seu coração e fez um arrepio percorrer
seu corpo. Sua mãe. O grito provavelmente havia sido dela. Alan se sentiu
culpado por não ter chegado a essa conclusão antes, mas sua mente não estava
funcionando bem. Parecia mais difícil pensar agora. Sua mente estava cheia de
imagens da sua mãe sofrendo de várias maneiras diferentes. Era uma tortura e o
silêncio continuava. Agora, o silêncio também tinha um aspecto lúgubre, como se
refletisse o estado de profunda tristeza em que se encontrava. Alan respirou
fundo e apesar de se sentir dormente de alguma forma, o medo voltou a
frequentar sua alma quando o silêncio pareceu ficar ainda mais pesado. Era como
se ele, realmente, fosse vivo. Alan reuniu sua coragem novamente e deu alguns
passos na direção da luz que vinha do corredor. Até seus passos pareciam
abafados por todo aquele silêncio.
O corredor estava vazio, mas marcas
vermelhas deixavam um rastro pelo chão. Alan levou a mão novamente à boca e as
lágrimas começaram a escorrer de seus olhos sem que ele tivesse dado permissão.
Pelo menos, ele tinha conseguido não gritar e não sair correndo. Talvez ele
fosse mais corajoso do que ele havia pensado. Alan seguiu os rastros
lentamente, tentando não fazer barulho. Mas com todo aquele silêncio, tudo era
barulho. Até os seus passos abafados e os seus soluços contidos. Talvez, até as
lágrimas que ele não limpava, fizessem barulho quando caíssem no chão. Era uma
tortura. Tortura em todos os sentidos. O silêncio, o medo, a tristeza, até
conter as lágrimas e os soluços era uma tortura. Ele queria se jogar na cama e
chorar, chorar até não conseguir mais. Chorar até dormir. Mas naquele momento,
ele tinha que andar em silêncio. Silêncio. O silêncio o deixava perturbado.
Nada poderia ser tão silencioso assim. Seus olhos se enchiam de lágrimas a cada
passo que ele dava. O único alívio que sentia, era que o corredor não estava
escuro. A escuridão com certeza faria tudo pior. Um arrepio percorreu seu corpo
e ele olhou na direção da luz, como se ela fosse apagar a qualquer momento. Mas
nada aconteceu, apenas seus olhos começaram a enxergar pequenos pontos
coloridos. Também não havia sido uma ideia muito boa. Alan parou na frente da
entrada para a sala e se abaixou perto da parede. Os rastros continuavam por
ali, mas ele não queria mais segui-los. Entrar na sala significava estar mais
exposto. Existiam vários lugares para se esconder ali, como ele já sabia bem.
Quando era pequeno ele se escondia e esperava sua mãe o achar. Um pequeno
sorriso passou pelo seu rosto, mas logo foi levado embora por uma lágrima. Alan
olhou para trás. Uma sensação estranha tomou conta dele, como se ele estivesse
sendo observado, mas não havia ninguém ali. Ninguém em lugar algum, só
silêncio. Às vezes, ele chegava a duvidar que pudesse ouvir a sua própria voz.
Sua mãe estaria ali em algum lugar. Alan
não gostava de pensar na possibilidade de ela estar morta. Seu coração começou
a bater mais forte. A sala também não estava escura. Alan não conseguia decidir
se isso era o que deixava a cena mais assustadora. As coisas e os detalhes
estavam expostos para quem quisesse enxergar. E ele não queria. Talvez a
escuridão o poupasse da brutalidade com que o sangue no chão parecia vivo e
pulsante. Uma mistura de medo e raiva tomou conta de Alan. Ele ficou alguns
minutos parado olhando para o sangue, até que outra coisa chamou a sua atenção.
Luzes entravam na sala, aquelas luzes coloridas da sirene da polícia. E só
então, Alan começou a escutar barulhos. Barulhos. Era quase um alívio escutar
alguma coisa que não fosse o silêncio. Mas os barulhos pareciam tão distantes,
pareciam abafados como todos os outros barulhos que ele havia escutado. Alan
não entendia o porquê de tanto silêncio, talvez seus ouvidos estivessem com
algum problema. Aquele silêncio parecia estar em todos os lugares.
Os policiais gritaram alguma coisa e
mandaram abrir a porta. Alan teve vontade de se esconder com medo de que alguém
aparecesse na sala e o visse ali. Mas o silêncio dentro da casa continuava. Os
sons dos policiais gritando não eram mais alto que o som da sua respiração ou o
som do seu coração batendo forte. Era estranho como o ambiente parecia abafado
e distante. Alan hesitou alguns segundos, talvez segundos demais, pois a porta
estava no chão e dois policiais estavam entrando na casa antes mesmo de ele ter
conseguido decidir o que fazer. Alan se levantou e entrou na sala, sujando seus
pés descalços de vermelho. Os policiais pareciam não ter percebido ele. Ele
seguiu os rastros de sangue com os olhos e percebeu que eles o levariam para a
entrada de uma outra sala. Era a sala que ficava as coisas de trabalho da sua
mãe. Ele lembrava de ter se escondido ali várias vezes. Como se o seu
pensamento se tornasse realidade, sua mãe abriu a porta da sala aos poucos. Ela
estava sentada e apenas sua cabeça aparecia na porta. Alan prendeu a respiração
e um sorriso apareceu em seus lábios. Ela estava viva. Ele correu em sua
direção. Ela estava chorando. Sua mãe terminou de abrir a porta e uma expressão
de alívio apareceu em seu rosto. Mas alguma coisa estava errada. Seus olhos
estavam tão tristes e cheios de dor. A porta terminou de se abrir e Alan correu
pra dentro da sala. Ele queria um abraço, queria dizer o quando ele a amava e
estava feliz por nada ter acontecido com ela, mas todas as palavras ficaram
presas em seu peito. Silêncio. Ele não havia percebido como o silêncio havia
tomado conta de tudo. Da sirene da polícia, dos passos dos policiais, do choro
da sua mãe, não havia nem ao menos aquele som abafado. Tudo era silêncio e no
colo da sua mãe, uma criança estava deitada. Os olhos fechados, aqueles olhos
que seriam azuis. A cabeça encostada nos ombros daquela mulher triste que
estava jogada no chão. O sangue no chão terminando a trilha que o havia levado
até ali. O terror tomou conta de sua alma. Medo, vazio e tristeza. Silêncio.
Era tudo o que ele podia ouvir.
Silencio mortal... imaginei que o garoto estava morto quando os policiais não perceberam ele, mas a mãe também estava morta? : º
ResponderExcluirBem, quando eu escrevi, minha intenção era que ela estivesse viva. Ficou confuso ou dá pra interpretar dos dois jeitos? Obrigada por ler, de qualquer forma :D
ExcluirMeio que deu pra interpretar dos 2 jeitos, quando diz "Ela estava viva." sendo do ponto de vista do garoto ela poderia estar tão viva quanto ele e quando li que ela estava jogada no chão tive a impressão de que estava morta.
ExcluirEu adorei esse. No começo pensei que menino bundão. Mas depois ele vai andando pela casa e tomando coragem( e continua bundão)até que quando os policiais chegam e ignoram ele completamente. Eu pensei em varias possibilidades ai, ele estar morto nem foi uma das minhas preferidas. Mas quando ele reconhece o próprio corpo... adorei ^^
ResponderExcluirFicou melhor que o seu.*espalhando a discórdia muhuhuhahahahaha*
Excluir: D
HAHAHAHAHAHAHAHAHA, que maldade!
ExcluirEu adorei o dele, poxa.
¬¬
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