segunda-feira, 14 de maio de 2012


No fim de tarde, o sol vermelho ia sumindo no horizonte. O som dos carros. A fumaça no ar. A voz impossível da multidão. O turbilhão de almas e cores. Um dia comum para um homem comum. O paraíso para os apaixonados e ele estava tão apaixonado novamente que dessa vez ele aproveitaria cada segundo. Os passos estalando no calçadão junto com centenas de outros, mas ele era diferente e tinha sido abençoado com o amor outra vez. Sorrindo e cantando sem se importar.
A vendedora de flores já o conhecia de outras paixões e sempre o fazia levar mais flores do que pretendia com aqueles conselhos tão certos e até o indicava as velas. Levaria tudo. Porque não? Seu amor merecia tudo. Amarelas e vermelhas e azuis e brancas e de todas as formas e aromas. No caminho de volta, ele via os olhares de inveja das mulheres que não receberiam flores hoje e já imaginava o cheiro de sua amada e o toque de sua pele e a sua boca tão vermelha com gosto de cereja. A longa distancia se dissolvia em sua mente e lá o calor de sua amada fazia o tempo voar.
Logo estava testando as chaves do chaveiro de abelhinha na porta dos fundos. Ela estaria deitada na sala. O rosto branco iluminado pela televisão ligada. As mãos cuidadosamente postas sob a almofada. As pernas esticadas sob o lençol. Os olhos fechados. A leve sujestão de um sorriso nos labios. O cabelo preso em uma trança negra e perfumada escorrendo pelos ombros expostos.
Ele não podia acordá-la. Em silêncio, ele sobe as escadas com as flores para o quarto que eles dividiriam. Trocou os lençois por seda vermelha como o seu coração. Guardou todos os potes e perfumes e papéis e bagunça que ela tinha até o quarto estar limpo como a pele da mulher no sofá. Pegou as velas perfumadas e cobriu o chão e os móveis. Fechou as cortinas pesadas e acendeu todas as velas, vendo a luz dançante do fogo aumentar a cada chama. Precisava de mais. Derramou as flores na cama e no chão. Precisava de mais. Assassinou as rosas e espalhou suas pétalas pelos cantos. Precisava de mais. Achou o CD favorito da mulher  deitada na sala e colocou pra tocar escondido no banheiro.
A escada rangendo levemente a cada passo cuidadoso. Procurou entre os armários as duas taças. Abriu a garrafa de vinho vermelho sem fazer barulho. Encheu a sua taça, mas não a dela. Ela não beberia, não podia. Bebeu o vinho de uma vez e ficou encarando a garrafa. Mais uma taça. Só mais um pouco. Dessa vez sorveu o vinho devagar imaginando o gosto que ela teria e a suavidade de sua pele.
Ela continuava de olhos fechados com a luz da tv manchando seu rosto ora de azul ora de branco. Como uma fantasma luminoso dançando sobre ela. Na primeira vez que a viu ela estava dormindo. Os seios subindo e descendo levemente com a respiração. Uma expressão suave no rosto. Indefesa. A excitação que sentiu quando ela finalmente abriu aqueles olhos escuros como a noite sem estrelas.
 Era hora. Ele se sentia nervoso. Deslizava as pontas dos dedos contra o balcão de marmore onde deixou as taças. Contava os passos até ela. Consciente de tudo a sua volta. Do som dos carros na rua. Das batidas pesadas do seu coração. Do som abafado dos seus passos no tapete amarelo. Das cortinas que passaram todo o dia fechadas. Da correspondência que ainda estava na caixa de correio e do jornal na porta. Do noticiario do canal de esportes. Da estampa florida no lençol e do som que ele fazia contra as roupas dela. Cada detalhe era um banquete para os seus olhos.
A calça jeans justa e clara e o cinto de menininha. As unhas pintadas de azul com florzinhas brancas. A camisa branca e fina deixando o sutiã preto e rendado aparecer. O cordão dourado e delicado com uma abelhinha amarela e preta perdida entre os seios. Os cílios compridos e as sobrancelhas finas demais. O nariz arrebitado. Os labios tão vermelhos. A pele tão limpa e lisa e intocada pelo calor do dia. As orelhas furadas sem os brincos. Os anéis coloridos e as pulseiras de pedrinhas. As linhas tão delicadas no rosto. A cor tão pura do cabelo longo. A tatuagem de fada e flor no ombro. A cicatriz bem acima do umbigo. A proporção e as formas. Ela era perfeita até nos defeitos.   
Ele tirou, ternamente, uma mecha de cabelo negro perdido no rosto pálido dela e a tomou nos braços com ainda mais ternura. Aninhou sua amada contra o seu peito e subiu para o quarto que tinha preparado. Respiração contida e caminhar cuidadoso. Não iria acordá-la. Não podia. A trança negra oscilava a cada passo e a cada degrau os seios se moviam de forma ainda mais cativante. Tentando escapar de sua prisão. As roupas dela tão reais entre os dois. O cheiro dela intoxicante. Mas do final da escada o perfume das velas era insuportavelmente doce e a sua luz vacilante o guiava.
A porta rangeu levemente quando ele a fechou. A fumaça das velas formava dezenas de trilhas cinzas tentando alcançar o ceu. As petalas acariciavam seus pés descalços. A seda contrastava com a cor de sua amada. Os olhos negros abertos e fixos. Os labios vermelhos levemente separados. As pontas dos dedos deslizando sobre o tecido vermelho para prender petalas de rosas em um aperto firme. O cabelo serpenteando sobre a cama. A abelhinha foi a primeira coisa que ele tirou. O gosto de morango nos labios dela. A textura da pele contra a sua lingua.
Os olhos dela brilhavam com as velas e seu corpo tremia enquanto ele arrancava suas roupas. A camisa rasgada com as mãos. O sutiã com os dentes enquanto seus dedos desprendiam os cintos. A forma do corpo dela banhanda pela luz dançante das chamas. Os seios expostos prendendo seus olhos enquanto ele entreva nela. As pernas palidas dela o apertavam. Suas mãos cobriam os seios dela e a sensação era de plenitude. Os cabelos negros esmagados entre os seus dedos e sua boca colada ao pescoço delgado de sua amada. Seus dedos traçavam as linhas do corpo dela com força. Suor escorria pelo rosto e deixava a seda mais escura. O extase chegou rápido demais. Já era hora. Ele se levantou com lagrimas nos olhos, despedidas eram sempre dificeis. Os olhos dela ainda brilhavam enquanto ele se vestia, ainda brilhavam quando ele a beijou mais uma vez nos labios e ainda brilhavam quando as chamas das velas que ele virou devoravam a seda. O fogo logo tomaria a cortina e o quarto todo e as paredes de madeira e consumiria tudo e ele precisava de outra paixão. Seu coração tinha tanto amor.    
     

2 comentários:

  1. Não consigo pensar em muitas palavras para descrever o que eu acabo de ler, soturno e medonho foram as únicas coisas que me vieram a mente. No começo achei meio bobinho, depois que fui lendo pensei: Que porra de mulher é essa que não acorda com nada!!!
    De qualquer maneira parabéns ae! Ficou muito bom mesmo.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. É, foi um conto que eu li e fiquei sem palavras quando terminei. Uma parte que eu adorei foi: "Assassinou as rosas e espalhou suas pétalas pelos cantos." Tão brutal e ao mesmo tempo com tanta paixão! Demonstra bem a personalidade do personagem.

      Excluir