No fim de tarde, o sol vermelho ia sumindo no horizonte. O
som dos carros. A fumaça no ar. A voz impossível da multidão. O turbilhão de
almas e cores. Um dia comum para um homem comum. O paraíso para os apaixonados
e ele estava tão apaixonado novamente que dessa vez ele aproveitaria cada
segundo. Os passos estalando no calçadão junto com centenas de outros, mas ele
era diferente e tinha sido abençoado com o amor outra vez. Sorrindo e cantando
sem se importar.
A vendedora de flores já o conhecia de outras paixões e
sempre o fazia levar mais flores do que pretendia com aqueles conselhos tão
certos e até o indicava as velas. Levaria tudo. Porque não? Seu amor merecia
tudo. Amarelas e vermelhas e azuis e brancas e de todas as formas e aromas. No
caminho de volta, ele via os olhares de inveja das mulheres que não receberiam
flores hoje e já imaginava o cheiro de sua amada e o toque de sua pele e a sua
boca tão vermelha com gosto de cereja. A longa distancia se dissolvia em sua
mente e lá o calor de sua amada fazia o tempo voar.
Logo estava testando as chaves do chaveiro de abelhinha na
porta dos fundos. Ela estaria deitada na sala. O rosto branco iluminado pela
televisão ligada. As mãos cuidadosamente postas sob a almofada. As pernas
esticadas sob o lençol. Os olhos fechados. A leve sujestão de um sorriso nos
labios. O cabelo preso em uma trança negra e perfumada escorrendo pelos ombros
expostos.
Ele não podia acordá-la. Em silêncio, ele sobe as escadas
com as flores para o quarto que eles dividiriam. Trocou os lençois por seda
vermelha como o seu coração. Guardou todos os potes e perfumes e papéis e
bagunça que ela tinha até o quarto estar limpo como a pele da mulher no sofá.
Pegou as velas perfumadas e cobriu o chão e os móveis. Fechou as cortinas
pesadas e acendeu todas as velas, vendo a luz dançante do fogo aumentar a cada
chama. Precisava de mais. Derramou as flores na cama e no chão. Precisava de
mais. Assassinou as rosas e espalhou suas pétalas pelos cantos. Precisava de
mais. Achou o CD favorito da mulher deitada na sala e colocou pra tocar
escondido no banheiro.
A escada rangendo levemente a cada passo cuidadoso.
Procurou entre os armários as duas taças. Abriu a garrafa de vinho vermelho sem
fazer barulho. Encheu a sua taça, mas não a dela. Ela não beberia, não podia.
Bebeu o vinho de uma vez e ficou encarando a garrafa. Mais uma taça. Só mais um
pouco. Dessa vez sorveu o vinho devagar imaginando o gosto que ela teria e a
suavidade de sua pele.
Ela continuava de olhos fechados com a luz da tv manchando
seu rosto ora de azul ora de branco. Como uma fantasma luminoso dançando sobre
ela. Na primeira vez que a viu ela estava dormindo. Os seios subindo e descendo
levemente com a respiração. Uma expressão suave no rosto. Indefesa. A excitação
que sentiu quando ela finalmente abriu aqueles olhos escuros como a noite sem
estrelas.
Era hora. Ele se
sentia nervoso. Deslizava as pontas dos dedos contra o balcão de marmore onde deixou as taças.
Contava os passos até ela. Consciente de tudo a sua volta. Do som dos carros na
rua. Das batidas pesadas do seu coração. Do som abafado dos seus passos no
tapete amarelo. Das cortinas que passaram todo o dia fechadas. Da
correspondência que ainda estava na caixa de correio e do jornal na porta. Do
noticiario do canal de esportes. Da estampa florida no lençol e do som que ele
fazia contra as roupas dela. Cada detalhe era um banquete para os seus olhos.
A calça jeans justa e clara e o cinto de menininha. As
unhas pintadas de azul com florzinhas brancas. A camisa branca e fina deixando
o sutiã preto e rendado aparecer. O cordão dourado e delicado com uma abelhinha
amarela e preta perdida entre os seios. Os cílios compridos e as sobrancelhas
finas demais. O nariz arrebitado. Os labios tão vermelhos. A pele tão limpa e
lisa e intocada pelo calor do dia. As orelhas furadas sem os brincos. Os anéis
coloridos e as pulseiras de pedrinhas. As linhas tão delicadas no rosto. A cor
tão pura do cabelo longo. A tatuagem de fada e flor no ombro. A cicatriz bem
acima do umbigo. A proporção e as formas. Ela era perfeita até nos defeitos.
Ele tirou, ternamente, uma mecha de cabelo negro perdido no
rosto pálido dela e a tomou nos braços com ainda mais ternura. Aninhou sua
amada contra o seu peito e subiu para o quarto que tinha preparado. Respiração
contida e caminhar cuidadoso. Não iria acordá-la. Não podia. A trança negra
oscilava a cada passo e a cada degrau os seios se moviam de forma ainda mais
cativante. Tentando escapar de sua prisão. As roupas dela tão reais entre os
dois. O cheiro dela intoxicante. Mas do final da escada o perfume das velas era
insuportavelmente doce e a sua luz vacilante o guiava.
A porta rangeu levemente quando ele a fechou. A fumaça das
velas formava dezenas de trilhas cinzas tentando alcançar o ceu. As petalas
acariciavam seus pés descalços. A seda contrastava com a cor de sua amada. Os
olhos negros abertos e fixos. Os labios vermelhos levemente separados. As
pontas dos dedos deslizando sobre o tecido vermelho para prender petalas de
rosas em um aperto firme. O cabelo serpenteando sobre a cama. A abelhinha foi a
primeira coisa que ele tirou. O gosto de morango nos labios dela. A textura da
pele contra a sua lingua.
Os olhos dela brilhavam com as velas e seu corpo tremia
enquanto ele arrancava suas roupas. A camisa rasgada com as mãos. O sutiã com
os dentes enquanto seus dedos desprendiam os cintos. A forma do corpo dela
banhanda pela luz dançante das chamas. Os seios expostos prendendo seus olhos
enquanto ele entreva nela. As pernas palidas dela o apertavam. Suas mãos
cobriam os seios dela e a sensação era de plenitude. Os cabelos negros
esmagados entre os seus dedos e sua boca colada ao pescoço delgado de sua
amada. Seus dedos traçavam as linhas do corpo dela com força. Suor escorria
pelo rosto e deixava a seda mais escura. O extase chegou rápido demais. Já era
hora. Ele se levantou com lagrimas nos olhos, despedidas eram sempre dificeis.
Os olhos dela ainda brilhavam enquanto ele se vestia, ainda brilhavam quando
ele a beijou mais uma vez nos labios e ainda brilhavam quando as chamas das
velas que ele virou devoravam a seda. O fogo logo tomaria a cortina e o quarto
todo e as paredes de madeira e consumiria tudo e ele precisava de outra paixão.
Seu coração tinha tanto amor.
Não consigo pensar em muitas palavras para descrever o que eu acabo de ler, soturno e medonho foram as únicas coisas que me vieram a mente. No começo achei meio bobinho, depois que fui lendo pensei: Que porra de mulher é essa que não acorda com nada!!!
ResponderExcluirDe qualquer maneira parabéns ae! Ficou muito bom mesmo.
É, foi um conto que eu li e fiquei sem palavras quando terminei. Uma parte que eu adorei foi: "Assassinou as rosas e espalhou suas pétalas pelos cantos." Tão brutal e ao mesmo tempo com tanta paixão! Demonstra bem a personalidade do personagem.
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