Tédio. Era a única coisa que sentia. Não havia
conseguido seu intento. Tantos meses de planejamento para tentar sair de sua
vida monótona haviam dado em nada. Era incapaz de sentir qualquer coisa. Não
era uma pessoa triste, mas não entendia o conceito de felicidade. Sabia como
fazer com que as pessoas fizessem o que ele queria. Sabia conquistar mulheres,
e rapazes, se tivesse vontade, mas nunca tinha. Não havia desafio. Havia
somente planos para tentar sair do tédio, mas mesmo eles não lhe davam prazer.
Não buscava vingança, não buscava satisfação, buscava apenas significado.
Sentido. Já tentara diversas religiões, mas isso não o satisfez. A simples
crença em algo o atormentava. Via pessoas felizes ao dar seu dinheiro ou seu
tempo. Ao falar sobre um ser que ele não conseguia compreender. Para todos, a
humanidade era especial, morando em um lugar especial, criados por um ser
especial. Isso sempre o atormentava. Ele era bem sucedido. Tinha dinheiro e não
era feio. Era educado. Mas o simples conhecimento não lhe dava prazer.
Trabalhar era estafante e não tinha hobbies. Não gostava de esportes ou de
festas. Nem mesmo de sair de casa, mas também, ironicamente, não gostava de
ficar em casa. Até que, por algum motivo, deixaram em seu correio um livro. Um
livro antigo. Antigo demais. Suas páginas eram amarelas e estavam soltando.
Feitas de couro de bezerro, com a tinta aparentemente tatuada na pele do
animal. E a capa era a pele de um rosto humano que envolvia uma madeira. O
livro não trazia nenhum odor além do forte cheiro de velho. Não trazia título,
somente uma estrela de cinco pontas também, aparentemente, tatuada na capa,
onde ficaria a testa do rosto que envolvia o livro. A pele esticada não lhe
dava nojo ou alegria. Como sempre, não lhe causava nada. Por meros segundos, ao
tentar ler, se interessou, pois não conhecia aquele idioma. Uma fagulha de
curiosidade que logo foi consumida pelo marasmo de sua alma. Foi a lembrança
dessa fagulha que o levou até aquele momento, ajoelhado dentro de um círculo
com o sangue dos assassinados. Relembrou os meses passados decifrando o livro.
Um idioma há muito morto. Os passos para um ritual extremamente antigo. Somente
agora percebia a obsessão que havia tomado sua mente. Racional e insidiosa.
Relembra de cada vítima aprisionada no porão de sua casa. Cuidadosamente
dopadas para dormirem. Acompanhou o primeiro morrer de inanição antes de se
lembrar de alimentá-los. Quando finalmente decifrou o livro todo, precisava
reunir os ingredientes. As vítimas já estavam quase todas reunidas quando
percebeu que não serviam. Precisavam ser virgens. Em uma viagem em sua lancha,
despejou os corpos dopados no mar, tomando todos os cuidados necessários. Ele
não percebera, mas precisava terminar o ritual. Já havia sido tomado, embora
não reparasse. Foram mais dois anos até conseguir reunir todo o necessário. Sua
mente meticulosa executa tudo com uma perfeição ímpar. No auge do ritual, um
medo imenso enche seu coração, o que só o faz continuar, afinal, sentir medo
era melhor do que não sentir nada. Agora, ajoelhado no chão, sua mente era
novamente tomada pelo marasmo. Mas sente um peso no ombro, e no que ele julgou
ser sua alma, por um tempo. Ouviu um singelo “obrigado” antes do peso no ombro
sumir. Mas o na alma permaneceria por toda a sua vida. Havia libertado alguém,
ou alguma coisa. Só não sabia o que.
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