terça-feira, 15 de maio de 2012



Tédio. Era a única coisa que sentia. Não havia conseguido seu intento. Tantos meses de planejamento para tentar sair de sua vida monótona haviam dado em nada. Era incapaz de sentir qualquer coisa. Não era uma pessoa triste, mas não entendia o conceito de felicidade. Sabia como fazer com que as pessoas fizessem o que ele queria. Sabia conquistar mulheres, e rapazes, se tivesse vontade, mas nunca tinha. Não havia desafio. Havia somente planos para tentar sair do tédio, mas mesmo eles não lhe davam prazer. Não buscava vingança, não buscava satisfação, buscava apenas significado. Sentido. Já tentara diversas religiões, mas isso não o satisfez. A simples crença em algo o atormentava. Via pessoas felizes ao dar seu dinheiro ou seu tempo. Ao falar sobre um ser que ele não conseguia compreender. Para todos, a humanidade era especial, morando em um lugar especial, criados por um ser especial. Isso sempre o atormentava. Ele era bem sucedido. Tinha dinheiro e não era feio. Era educado. Mas o simples conhecimento não lhe dava prazer. Trabalhar era estafante e não tinha hobbies. Não gostava de esportes ou de festas. Nem mesmo de sair de casa, mas também, ironicamente, não gostava de ficar em casa. Até que, por algum motivo, deixaram em seu correio um livro. Um livro antigo. Antigo demais. Suas páginas eram amarelas e estavam soltando. Feitas de couro de bezerro, com a tinta aparentemente tatuada na pele do animal. E a capa era a pele de um rosto humano que envolvia uma madeira. O livro não trazia nenhum odor além do forte cheiro de velho. Não trazia título, somente uma estrela de cinco pontas também, aparentemente, tatuada na capa, onde ficaria a testa do rosto que envolvia o livro. A pele esticada não lhe dava nojo ou alegria. Como sempre, não lhe causava nada. Por meros segundos, ao tentar ler, se interessou, pois não conhecia aquele idioma. Uma fagulha de curiosidade que logo foi consumida pelo marasmo de sua alma. Foi a lembrança dessa fagulha que o levou até aquele momento, ajoelhado dentro de um círculo com o sangue dos assassinados. Relembrou os meses passados decifrando o livro. Um idioma há muito morto. Os passos para um ritual extremamente antigo. Somente agora percebia a obsessão que havia tomado sua mente. Racional e insidiosa. Relembra de cada vítima aprisionada no porão de sua casa. Cuidadosamente dopadas para dormirem. Acompanhou o primeiro morrer de inanição antes de se lembrar de alimentá-los. Quando finalmente decifrou o livro todo, precisava reunir os ingredientes. As vítimas já estavam quase todas reunidas quando percebeu que não serviam. Precisavam ser virgens. Em uma viagem em sua lancha, despejou os corpos dopados no mar, tomando todos os cuidados necessários. Ele não percebera, mas precisava terminar o ritual. Já havia sido tomado, embora não reparasse. Foram mais dois anos até conseguir reunir todo o necessário. Sua mente meticulosa executa tudo com uma perfeição ímpar. No auge do ritual, um medo imenso enche seu coração, o que só o faz continuar, afinal, sentir medo era melhor do que não sentir nada. Agora, ajoelhado no chão, sua mente era novamente tomada pelo marasmo. Mas sente um peso no ombro, e no que ele julgou ser sua alma, por um tempo. Ouviu um singelo “obrigado” antes do peso no ombro sumir. Mas o na alma permaneceria por toda a sua vida. Havia libertado alguém, ou alguma coisa. Só não sabia o que.

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