terça-feira, 19 de maio de 2015

Apenas mais um conto de amor

Sob a luz das estrelas ele caminhava, em paz. A lua estava oculta, em sua fase nova, nenhuma fatia dela no céu. E mesmo assim ele caminhava. Pelos piores locais da cidade. Ouvia o vento e os barulhos da cidade morrendo ao fundo. Caminhava para o escuro onde o poder do estado raramente chegava. Andou por muitos minutos, talvez algumas horas. A rua sob seus pés não mais via asfalto, apenas barro. As casas lentamente ficavam menores e mais simples. As pessoas não mais andavam nas ruas. O mato se tornava mais presente. As casas rareavam.
Até que ele a viu. Caminhava sorrateira e veloz, evitando chamar a atenção e exatamente por isso ele a viu. Seus lábios pálidos formaram um sorriso sincero. Felicidade. Oculto nas sombras crescentes e acostumado a isso, ele a seguia. Ela, decidida, sempre olhava em frente. Caminhando rápido. Quase correndo. Ao longe, seu objetivo se avistava e instintivamente ela diminuiu o passo. Segura. Feliz.
Passou pelo pequeno portão e foi até sua casa, uma luz se acendeu. Ele apenas observava. Observava a sombra dela brincando através da delicada cortina. Acompanhava enquanto a sombra se movia. Assustou-se quando a sombra sumiu com o apagar das luzes. Em outro ponto, pouco depois, outra luz se acende e ele ouve o barulho de água. Estava perto. Muito perto. O pequeno portão jazia distante. Transposto. Ele respirava devagar, se movia devagar, pensava devagar. A água para de cair e novamente a luz se apaga. Já preparado, não se assusta dessa vez, ele ouve os passos leves caminhando para outro cômodo. Vê uma janela se abrindo e se encolhe nas sombras. O cabelo longo e alisado fazia um belo complemento à pele muito negra. Os olhos escuros vararam a noite. Os olhos se fecham enquanto os lábios murmuram uma oração para afastar o mal.
Ele sorri, oculto nas sombras. Linda. Linda. Linda. Quase perfeita. Seu coração doía em seu peito enquanto a observava, o medo de que o barulho de suas batidas pudesse revelar sua posição. Mas foi a sua oração a ser ouvida. As estrelas se moviam, mas ainda faltavam horas para a luz do sol surgir. Ele aguarda, pacientemente. Até que entra, pulando para a janela. Uma surpresa para seu novo amor. Com um lenço amarra cuidadosamente um braço dela na cama.
Assustada, ela acorda. Ela grita. Mas ela morava distante demais dos outros. Longe demais. Ele segura o braço que buscava seu rosto, a mão crispada usando as unhas como garras. Mesmo assim ela era linda. Uma beleza selvagem. Ela era dona de uma beleza interior que precisava ser exteriorizada. Precisava conhecer o frescor da noite. Precisava conhecer a luz. Não podia mais ficar presa dentro dela. Ela grita novamente quando a faca aparece. A mão livre busca o simples lenço que a prendia. Mas o nó era dos melhores. Palavra de escoteiro. Nó de marinheiro.
A luz mínima que vinha de fora, luz das estrelas, afinal, ele era um homem romântico, rebrilhou levemente na faca, sem conseguir iluminar a escuridão e as sombras. Mas ela iluminava a sua escuridão. Ele não conseguiu ver quando o primeiro esguicho o atingiu. Apenas sentiu seu calor. Estava escuro demais. Ela gritava. Ele gemeu de prazer quando sentiu sua faca novamente rompendo a suave pele negra. Ela gritava. Era música para seus ouvidos. Ela gritava e gritava.
Ele continuou seu serviço apaixonado, sentindo os gritos ficando mais fracos. A resistência diminuindo. Até que toda a beleza estava para fora. Ele não podia ver direito. Não conseguia ver o sangue, tão negro quanto a pele dela. Ele não conseguia ver. Mas podia sentir.
E por fim, simplesmente chorou. Ele não era digno de tanta beleza. De tanto cuidado e de tanto amor.

0 comentários:

Postar um comentário