O poderoso Conselheiro Elemental da Terra, Isawa Karyu tinha um casamento feliz. Não exatamente o que seu pai havia pensado. Era algo muito superior. Ele era casado com Bayushi Himeko, filha mais velha do Campeão do Escorpião, o Daymio dos Bayushi. Pelos costumes, Isawa deveria abandonar a Fênix e se unir ao Escorpião, pois Himeko era, sem sombra de dúvidas, de status mais elevado, mas assim como a Fênix não abriu mão dele, ele não abriu mão da Fênix. Himeko por sua vez, a despeito de forte pressão, adotou o nome dos Isawa, para o escândalo de muitos, jamais abandonando completamente o Escorpião, mas dedicando-se à sua família.
O casal foi feliz por anos, enquanto acompanhavam a ascenção meteórica de Isawa nos ranks dos Shugenja. Por fim, ele foi o primeiro Ishiken na história da Fênix a ocupar o cargo de Conselheiro Elemental de um elemento que não o próprio Vácuo. A Terra era a sua afinidade. Por fim, mostrou-se que Himeko tomou a decisão correta. Ela era a esposa de um dos governantes do clã, enquanto a saúde de seu pai seguia férrea e não dava mostras de esmorecer.
Foi em uma visita de Hida O-Ushi, Campeão do Carangueijo e marido de uma antiga aliada de Karyu que Himeko percebeu estar grávida. A amiga do casal, esposa de O-Ushi, já era capaz de reconhecer os sintomas com facilidade, tento em vista que ela mesma já estava esperando o quarto filho. Os Kami falaram a Isawa que era de se esperar uma surpresa e que seu filho nasceria dali a sete meses, já que dois já se passavam da gravidez.
Perto do fim da gravidez, a Conselheira Elemental do Vácuo, amiga próxima de Karyu devido a afinidade de ambos para o Ishiken, chegou em visita e por lá ficou conforme as semanas passavam. Himeko acabou se incomodando, mas a educação foi férrea. Quando finalmente o dia chegou, descobriu que seu marido havia convidado a Conselheira para presidir o parto, já que os espíritos diziam que este seria difícil. Ela entrou em trabalho de parto no exato momento em que o sol começou a se por. Auspicioso, conforme seu marido.
Exatamente à meia noite seu filho nasceu. Mas o sofrimento não terminou. Exatas doze horas depois, no meio dia, o segundo filho surgiu. Gêmeos. Cada um deles nasceu com pequenas marcas. O mais velho com uma marca no ombro esquerdo que lembrava um escorpião. O mais novo, com uma marca no ombro direito que lembrava um pássaro de asas abertas, uma fênix. De resto, gêmeos idênticos.
A Conselheira, ouvindo os espíritos, disse que cada um deles era ligado a um ancestral. Aos Kami Gêmeos, fundadores do Escorpião e da Fênix. Assim que se recuperou do difícil parto, Himeko escreveu uma longa missiva para seu pai. Takeno nunca soube o que havia escrito, tão pouco seu irmão Nagao.
Desde a mais tenra idade, ambos tinham “amigos” invisíveis. Ambos os descreviam com a mesma aparência, mas para Takeno, seu amigo andava sempre com uma máscara no rosto. As visitas achavam levemente perturbador que o jovem filho de Isawa Karyu cismasse em esconder o rosto de todos, deixando apenas seus olhos visíveis, mesmo com o nobre shugenja alegando jamais ter contado a história dos Kamis para os dois. O outro filho, quando era pequeno, dizia que seu maior desejo era proteger todos os Isawa. Tanto o pai quanto a mãe sabiam o que isso significava. Quando completaram seis anos, seu pai os levou à Corte de Inverno em Kyuden Doji.
Pela primeira vez sua mãe lhe deu um belo robe, mas não nas cores que ele estava habituado. O robe era majoritariamente preto com diversos detalhes vermelhos. No peito, o Mon do Escorpião. Seu irmão usava orgulhosamente as cores do pai. Takeno achou a corte imensamente divertida. Enquanto várias crianças brincavam juntas, ele com frequência se esgueirava e entreouvia os adultos. Achava divertido. Uma das outras crianças com frequência se esgueirava com ele. Incentivava os outros a brincarem de se esconder, e Takeno sempre se escondia onde podia entreouvir os adultos. Viu sua mãe vestindo as roupas do escorpião e seu pai alheio à corte. Sempre conversando com uma Dragão e um Garça. Tomoko era o nome do garoto e ele não usava as cores de nenhum clã em específico.
Nesse inverno ele conheceu muitas pessoas diferentes, saindo do lado do irmão apenas para observar os outros. Mas ao final, seus pais o reuniram e informaram o que iria mudar. Takeno iria para a terra do Escorpião, ser treinado e criado como um. Nagao seria treinado como um Bushi pela escola Shiba. Ambos choraram. Não queriam se separar. Foi quando Bayushi Himeko olhou nos olhos do filho e disse: “O Escorpião faz o que tem que ser feito. Faz o melhor para o Império, mesmo que seja ruim para si.”
O garoto então parou de chorar e olhou para trás. O homem que sempre o acompanhava, o rosto oculto por uma máscara que mostrava apenas os olhos balançou a cabeça. “Você é um Bayushi. Você é um Escorpião.” Só então o menino aceitou.
Um homem de cabelos grisalhos, bem mais velho que seu pai, ficou responsável por ele. Apenas depois ele descobriu que por trás da máscara estava o seu avô. O Campeão do Escorpião e Daymio dos Bayushi.
Os anos seguintes foram velozes. Assim que chegou, foi testado por quatro homens. Um ator, um shugenja, um cortesão e um guerreiro. Apenas o Shugenja o recusou. O ator disse que poderia usar um rosto daquele, mas que se destacava demais para seu próprio bem. Por dois dias esperou até que seu avô o enviou para o Dojo dos Bushi. Era o mais exigido, o mais cobrado. Nada menos do que a perfeição era aceita. Os anos passavam e Bayushi Takeno trocava cartas com seu irmão. Ao perceber o hábito, seu avô indicou nomes e pediu que ele iniciasse conversações através da escrita.
Seu tio, irmão mais novo da sua mãe, o via como um intruso. Afinal, como Himeko estava com a Fênix, ele seria o próximo Daymio, mas com a presença de Takeno esse assunto era relegado às sombras. Todos os dias Takeno orava e honrava aquele que era seu amigo invisível. Que ele sabia agora ser seu ancestral, o Kami Bayushi. As visões ficaram cada vez mais raras, mas a presença de Bayushi ardia em seu peito. No casamento de seu tio, quando ele tinha catorze anos, conheceu a bela noiva. Yoritomo era sua família. O Louva a Deus, seu antigo clã.
Ela era extremamente simpática e muito bonita. Era bem mais jovem que seu tio viúvo, mas ainda existiam bons anos de diferença entre os dois. Isso não impediu Takeno de rir e usar sua perigosa aparência para encantar aqueles ao seu redor. Afinal, ele sempre se mostrava mais honrado do que a média, o que era bem visto entre os outros clãs. Ele ainda conseguia imitar com precisão a maneira honrada da Fênix.
Na semana seguinte à noite de núpcias, com seu tio longe nas terras do Carangueijo, a proximidade com sua nova tia aumentava cada vez mais, até que na noite anterior à chegada de seu tio, eles consumaram sua atração numa noite selvagem.
Pouco tempo depois seu tio anunciava a gravidez da esposa, radiante. Takeno apenas sorria, embora sentisse a garra gelada do medo em seu peito. Procurou se afastar o máximo que o decoro permitia, mas percebeu que a jovem Yoritomo não queria distância. Foi apenas quando as pretendentes ao belo neto dos Bayushi começaram subitamente a rarear que ele percebeu que havia algo errado.
Quando o filho da jovem Yoritomo nasceu, seu avô o chamou para ver a criança. A garra gelada do medo estraçalhou seu coração quando ele viu no ombro da criança um escorpião. Talvez estranhando o comportamento do neto, o idoso Bayushi disse que um verdadeiro Bayushi eventualmente nascia com um escorpião gravado na pele.
Mas Takeno sabia a verdade.
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